sexta-feira, 25 de junho de 2010

Um novo encontro...




Ainda me dá vontade de rir ao pensar quando nos conhecemos. Não sei se ainda te lembras. Fez tanto calor de noite que resolvi dormir algumas horas na varanda. Fui buscar o colchão e coloquei-o no chão. O vento estava muito fraco diria mesmo que passava só uma ligeira brisa que fazia ondular a cortina que eu tinha colocado ali para tornar o espaço mais intimo.

Nunca tinha estado em Sevilha. Já me tinham dito que fazia muito calor e de vez em quando passava uma vista de olhos pela meteorologia pela net, mas como estava tão longe de viajar, até esqueci um pouco.
Quando acordei dei-me conta da pouca roupa que tinha vestida pois com o calor que fez durante a noite, devo tê-la ir tirando pouco a pouco. Bem, sobre a vizinhança não posso dizer nada, pois as poucas horas que consegui dormir foram de sono pesadíssimo e já pela madrugada.

Quando acordei já o sol estava tocando a minha cara. Levantei-me de seguida para poder manter o corpo fresco porque pelos vistos avizinhava-se mais um dia de calor.
Afastei um pouco a cortina, olhei para o prédio em frente e vi um homem a olhar na minha direcção a fazer-me sinais e percebi que queria falar comigo. Recuei e tapei-me mais um pouco com a cortina porque não há dúvida que não estava propriamente em condições para falar com ninguém naquele momento.
Comecei a pensar se ele me teria visto a dormir ali porque na verdade a varanda onde ele estava ficava mais alta que a minha. Vim a saber o que ele tinha visto umas horas mais tarde.

Antes de mais nada fui tomar um duche, por sinal a água saía quente tal era o calor que já se fazia sentir àquela hora da manhã. Escolhi uma roupa muito mais ligeira que a que tinha vestido no dia anterior. Arranjei um pouco a sala e saí para tomar um café e comprar um jornal.

Quando cheguei à rua lembrei-me se aquele "mirone" não estaria por ali, mas não, só umas crianças estavam brincando e pouco mais. Eram 08.30 h !
Sentei-me numa esplanada, já tinha comprado um jornal e uma revista num quiosque ali ao lado, pedi um café duplo e comecei a ler as notícias. Havia um sossego, uma paz, só se ouviam algumas andorinhas chilreando numa laranjeira florida ali perto. Que aroma a flores de laranjeira, flores de "azahar", como dizem os espanhóis.

Estava a pensar com os “meus botões” e senti que alguém se aproximava. Comecei primeiro a dirigir os meus olhos de baixo para cima, bem devagar, não estava com vontade nenhuma de conversas ou ter de aturar alguém vendendo alguma coisa. Quando levanto os olhos vejo-te a sorrir para mim e reconheci de seguida o meu vizinho da frente. Eras tu!

O que acabo de me lembrar não sei se alguma vez te contei. Do que veio a seguir, não vou falar sobre isso agora. São recordações de uns dias muito felizes, de tanta cumplicidade, como se nos tivéssemos conhecido há já muito tempo...
Nunca mais nos encontrámos pessoalmente, o telefone e a net foi o nosso elo de ligação, já lá vão uns meses...

Regressei esta manhã ao mesmo sítio à mesma hora, estou na mesma esplanada. Ainda falta um quarto de hora para o nosso reencontro… 
Sinto que o tempo esfriou um pouco.

Autor: Maria Isabel Q. (Flor)



sexta-feira, 18 de junho de 2010

Intimidade




No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
(1923-2010)


domingo, 13 de junho de 2010

As sem razões do amor...




AS SEM-RAZÕES DO AMOR

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Quanto,Quanto me Queres?



Quanto, quanto me queres? - perguntaste
Olhando para mim mas distraída;
E quando nos meus olhos te encontraste,
Eu vi nos teus a luz da minha vida.

Nas tuas mãos, as minhas, apertaste.
Olhando para mim como vencida,
«...quanto, quanto...» - de novo murmuraste
E a tua boca deu-se-me rendida!

Os nossos beijos longos e ansiosos,
Trocavam-se frementes! - Ah! ninguém
Sabe beijar melhor que os amorosos!

Quanto te quero?! - Eu posso lá dizer!...
- Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.

António Botto, in 'Canções'


.

.


Related Posts with Thumbnails

Número total de visualizações de páginas