sábado, 31 de março de 2012

O meu Alentejo






O meu Alentejo

Meio-dia: O sol a prumo cai ardente,
Doirando tudo. Ondeiam nos trigais
D' oiro fulvo, de leve... docemente...
As papoilas sangrentas, sensuais...

Andam asas no ar; as raparigas,
Flores desabrochadas em canteiros,
Mostram por entre o oiro as espigas,
Os perfis delicados e trigueiros...

Tudo é tranquilo, e casto, e sonhador...
Olhando esta paissagem que é uma tela
De Deus, eu penso então: Onde há pintor,
Onde há artista de saber profundo,
Que possa imaginar coisa mais bela,
Mais delicada e linda neste mundo?!

Florbela Espanca



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terça-feira, 13 de março de 2012

Tenho







Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.



Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.

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Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa



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