sábado, 2 de novembro de 2013

Diz o meu nome...







Diz o meu nome

pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com suavidade
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome.

Mia Couto



sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A tua nudez inquieta-me.








Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra. 
Como um temporal. Ou como 
certas palavras ainda não inventadas, 
certas posições na guitarra 
que o tocador não conhecia.

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo 
para um lado misterioso e frágil. 
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe 
contorno, peso. Destrói o meu corpo. 

A tua nudez é uma violência 
suave, um campo batido pela brisa 
no mês de Janeiro quando sobem as flores 
pelo ventre da terra fecundada. 
Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas 
com o vocabulário da tua nudez. 

Tenho «um pensamento despido»; 
maturação; altas combustões. 
De mão dada contigo entro por mim dentro 
como em outros tempos na piscina 
os leprosos cheios de esperança. 

E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete 
que lanço com mão tremente desastrada 
para rebentar e encher a minha carne 
de transparência. 

Sete dias ao longo da semana, 
trinta dias enquanto dura um mês 
eu ando corajoso e sem disfarce, 
iluminado, certo, harmonioso. 
E outras vezes sucede que estou: inquieto. 
Frágil. 
Violentado. 
Para que eu me construa de novo 
a tua nudez bascula-me os alicerces. 

Fernando Assis Pacheco 
in A Musa Irregular



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