segunda-feira, 9 de junho de 2014

Só assim será poema...






Que o poema tenha carne
ossos vísceras destino
que seja pedra e alarme
ou mãos sujas de menino.

Que venha corpo e amante
e de amante seja irmão
que seja urgente e instante
como um instante de pão.

Só assim será poema
só assim terá razão
só assim te vale a pena
passá-lo de mão em mão.

Que seja rua ou ternura
tempestade ou manhã clara
seja arado e aventura
fábrica terra e seara.

Que traga rugas e vinho
berços máquinas luar
que faça um barco de pinho
e deite as armas ao mar.

Só assim será poema
só assim terá razão
só assim te vale a pena
passá-lo de mão em mão.

Hélia Correia


Este Poema foi intrepertado por José Jorge Letria, um grande cantor activista dos anos 70, que lutou contra o regime opressivo de Salazar.






segunda-feira, 5 de maio de 2014

Emoção



Degas


Emoção

Se eu pudesse recordar uma canção de embalar
na voz lentamente doce de todas as mães
escutaria, com certeza, o cantar da minha mãe
só para que, em meu sono, eu não incline
a cabeça para o lado onde ardem as lembranças.

Graça Pires


(http://ortografiadoolhar.blogspot.pt/)


domingo, 13 de abril de 2014

já não me preocupo...






já não me preocupo nem com o vagar dos dias, nem com o vadiar das horas.
que me importa a mim que os minutos pinguem, solenes, anunciando coisas que o tempo já levou?
importa-me, sim, o que me sustem a este estado a que todos chamam vida.
e eu que sempre pensei que a vida fosse um papel pintado de cores, sabores e cheiros...
afinal, enganei-me...
a vida é um beijo, dado de fugida, ao canto da boca, que nos deixa ansiosos por mais.

magnólia


(https://www.facebook.com/ana.f.daluz)



segunda-feira, 3 de março de 2014

Se o vires...





Se o vires...


Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que me sento na cama, distraída, a dobar demoras
e, sem querer, talvez embarace as linhas entre nós.
Mas que, mesmo perdendo o fio da meada por
causa dos outros laços que não desfaço, sei que o
amor dá sempre o novelo melhor da sua mão. Se

o encontrares, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso
sempre, mas não de mais; e que os invernos que ele
não gosta de contar, mas assim mesmo conta que nos
separam, escondem a minha nuca na gola do casaco,
mas só para guardar os beijos que me deu. Se o vires,

diz-lhe que o tempo dele não passa, fica sempre.

Maria do Rosário Pedreira





segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Quando eu morrer...






Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosário Pedreira





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