sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A tua nudez inquieta-me.








Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra. 
Como um temporal. Ou como 
certas palavras ainda não inventadas, 
certas posições na guitarra 
que o tocador não conhecia.

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo 
para um lado misterioso e frágil. 
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe 
contorno, peso. Destrói o meu corpo. 

A tua nudez é uma violência 
suave, um campo batido pela brisa 
no mês de Janeiro quando sobem as flores 
pelo ventre da terra fecundada. 
Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas 
com o vocabulário da tua nudez. 

Tenho «um pensamento despido»; 
maturação; altas combustões. 
De mão dada contigo entro por mim dentro 
como em outros tempos na piscina 
os leprosos cheios de esperança. 

E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete 
que lanço com mão tremente desastrada 
para rebentar e encher a minha carne 
de transparência. 

Sete dias ao longo da semana, 
trinta dias enquanto dura um mês 
eu ando corajoso e sem disfarce, 
iluminado, certo, harmonioso. 
E outras vezes sucede que estou: inquieto. 
Frágil. 
Violentado. 
Para que eu me construa de novo 
a tua nudez bascula-me os alicerces. 

Fernando Assis Pacheco 
in A Musa Irregular



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