quinta-feira, 14 de abril de 2011

Como uma Flor Vermelha





À sua passagem a noite é vermelha,
E a vida que temos parece
Exausta, inútil, alheia.

Ninguém sabe onde vai nem donde vem,
Mas o eco dos seus passos
Enche o ar de caminhos e de espaços
E acorda as ruas mortas.

Então o mistério das coisas estremece
E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha. 


Sophia de Mello Breyner Andresen  


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Quero...






Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas:  Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu  amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por y em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amaste antes.
Se não me disseres urgente repetido
eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Carlos Drummond de Andrade



domingo, 27 de março de 2011

Cinco réis de gente



Ilustração da minha amiga Pao
http://ilustraclip.blogspot.com



Cinco réis de gente 
Vai sempre na frente
Dos outros que vão 
Cedo para a escola;
Corpinho delgado;
O olhar mariola,
-Belos os cabelos,
Quantos caracóis!
Mas as mangas rotas 
Nos dois cotovelos
São de andar no chão
Atrás dos novelos!
Os olhos dois sóis
Que ilumiam tudo 
A mãe tecedeira,
Perdeu o marido, 
Mas vive encantada
Para o seu miúdo.


António Botto




sexta-feira, 4 de março de 2011

No sal de seus olhos







Fotografía de Jose
http://marazulmalaga.blogspot.com


Nenhum caminho é acessível
à tremenda brancura da espuma
que as marés enfurecidas enrolam
nos rochedos enquanto os marinheiros
sussurram, entre eles, a demência
das mãos pregadas ao leme,

antecipando a posição das estrelas
no sal de seus olhos.

.

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